Na arena pública e nas redes sociais, o hábito ganha força em nome da 'justiça social'.

 Como bom observador que sou, tenho acompanhado as redes sociais e notado o quanto o comportamento das pessoas está extremado. Não é nem mais novidade que estamos passando por uma fase complicada da história, mas como já dizia Lulu Santos "assim caminha a humanidade" não é mesmo? Junto com o avanço dos debates envolvendo assuntos polêmicos, criou-se em paralelo o que conhecemos por cultura do cancelamento

Hoje ficou mais fácil saber o que as pessoas ao nosso redor pensam e sentem.  As redes sociais acabaram por dar espaço para a exposição de nossas preferências, discordâncias e opiniões sobre os mais diversos assuntos envolvendo o mundo à nossa volta. É nesse cenário que o hábito do banimento social ganha força.

Plataformas como o Facebook, Twitter e o Whatsapp são ferramentas super poderosas que nos permitem trocar diversos tipos de informação e inclusive saber instantaneamente quase tudo da vida de outra pessoa. 

O nosso hábito natural de classificar os outros e julgar as pessoas pelo que elas falam ou mesmo aparentam, acaba contribuindo para a instalação do tribunal da internet, o que seria um tipo de negação do pensamento divergente. O que quero dizer é: Seja de que lado você estiver, haverá sempre pessoas que não economizarão esforços para te vigiar e punir a tua diferença.

Isso denuncia o fato de que tanto no mundo real quanto virtual, as pessoas estão a julgar, xingar e vociferar suas violências, sejam elas de menor ou maior proporção, de forma velada ou simbólica.

Confesso que jamais imaginei que fôssemos chegar  ao ponto de construirmos um modelo de sociedade na qual ninguém se sente humanamente seguro para viver a sua essência e expressar com liberdade sua maneira de pensar, sem ser surpreendido pela atitude de pessoas que agem como "polícia" ideológica. 

 Boa parte são fanáticos que envidam esforços para implantar um sistema de pensamento único e universal, que se vale de um discurso padrão, em nome daquelas famosas pautas que todos estamos cansados de ouvir falar aos quatro ventos. 

Você já parou para pensar que a maioria das pessoas estão pensando e falando praticamente as mesmas coisas?

Pois bem...com um mundo digital cada dia mais evoluído, o que parece não avançar é a nossa educação para essa nova cultura. Nosso modelo educacional ainda não consegue preparar as pessoas adequadamente para conviverem com o universo virtual. Por isso elas acabam por adotar uma postura muitas vezes infantil, por incapacidade de filtrar criticamente o que leem, assistem e ouvem,  insistindo na transmissão de verdades 'irrenunciáveis', sobre as quais quem não pensa de forma semelhante precisa ser literalmente combatido. 

É comum ver indivíduos que não concordam com o que o outro pensa, bloquear o "oponente", como uma forma de puni-lo por seu pensamento inadequado, discrepante. Antes, esse tipo de coisa era superada por meio do diálogo, hoje se resolve com um "block". A cultura do cancelamento é perversa e autoritária, e viola princípios como a democracia, o direito à liberdade de expressão e o valor intrínseco do ser humano.

Não consigo prever até quanto tempo teremos que conviver com esse tipo de sociedade, mas o que vem sendo observado sinaliza para um acirramento nos relacionamentos entre as pessoas, resultando em maior isolamento entre os indivíduos e na desmobilização social, abrindo espaço para extremismos com efeitos danosos de proporções até maiores aos já vistos anteriormente na história. 

Antonio Victor, é jornalista, professor e palestrante